Consciência negra também é sobre contar histórias que fogem do ponto de vista dos colonizadores, especialmente em Minas Gerais. Pelo menos é isso o que pesquisadores ouvidos pelo Brasil de Fato MG reforçaram neste Novembro Negro.
“Até hoje, caminhar pelo centro histórico de Ouro Preto é se deparar com nomes que remetem a esse passado, como se ele não tivesse um ponto final e uma nova história não tivesse começado. Os estabelecimentos comerciais do centro, por exemplo, são um desafio diário para a saúde mental de nós, negros, pois remetem ao colonialismo”, relata Sidnéa Francisca dos Santos, historiadora e pesquisadora, nascida e criada no bairro Veloso, um dos principais do município.
Para ela, é importante destacar, portanto, a presença feminina, como a de Francisca Mina, pesquisada pelo professor Luciano Figueiredo, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Francisca foi companheira de Felipe dos Santos e, um ano antes da Revolta de 1720, liderou a Revolta dos Escravizados de 1719, apagada da história oficial de Ouro Preto e do Brasil.
Desde 2014, com a inauguração da Mina do Veloso, um quilombo urbano da cidade, comunidades negras inauguraram um coletivo chamado “Outro Preto”, que busca na transformação da palavra “ouro” uma virada epistêmica na história do município.
“Então, há 10 anos a gente vem escrevendo uma outra história e levando a nossa voz”, afirma Sidnéia.
No século 20, a pesquisadora também destaca outras duas figuras importantes: Efigênia Carabina e Márcia Valadares.
“Márcia é a criadora do Fórum da Igualdade Racial. Ela é essa vanguarda que, desde a década de 1970, junto com o mestre Brasa e Efigênia Carabina, dizia sobre a necessidade do povo preto de Ouro Preto, que corresponde a mais de 70% da população do município, ter voz, ter lugar e ter escuta”, conta.
No século 21, Sidnéia destaca a capitã Kátia Silvério e sua mãe, vó Marise, matriarcas do Grupo de Moçambique do Alto da Cruz. Elas revitalizaram a festa do reinado, que hoje é a celebração mais importante para a população preta de Ouro Preto.
“Porque congrega [a festa do reinado] e reúne centenas de milhares de pessoas tocando tambor ladeira acima e abaixo”, reforça.
Lélia Gonzales
A antropóloga Rosália Diogo, por sua vez, chama a atenção para a história de Lélia Gonzalez, cuja morte completa 30 anos em 2024.
“Essa mulher é um verdadeiro farol para a sociedade brasileira como um todo, porque ela nos ensina muito sobre as relações raciais no Brasil. Poucas pessoas têm conhecimento do legado e da importância das pesquisas e das atuações políticas de mulheres”, explica.
Filha de um operário e de uma empregada doméstica, Lélia de Almeida nasceu na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais, no dia 1º de fevereiro de 1935. Ela é autora de livros como Lugar de negro e Festas Populares no Brasil, além de ter participação em momentos significativos da história da população negra.
Ela é uma das fundadoras, por exemplo, do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNU), que denuncia a falácia do mito da democracia racial, reivindicava o fim da violência e da discriminação sofrida pelos negros, além de exigir políticas públicas em benefício da comunidade afro-brasileira.
Lélia também cunhou o conceito de “pretuguês”, que, segundo ela, é a marca de africanização do português falado no Brasil.
“Existe uma manutenção de uma forma de falar que foi aprendida com os antigos. Nós estamos falando é um pretuguês, nós estamos falando a língua de África. É muito irônico e é brilhante. É uma forma de resistência”, diz Rosália Diogo, em entrevista à Rádio UFMG Educativa.
Roza Cabinda e Maria do Arraial
Outra figura negra importante para movimentos de resistência em Minas Gerais foi Roza Cabinda, em Juiz de Fora, município da Zona da Mata mineira. Ela é considerada um símbolo de coragem e resistência, pois foi a primeira escravizada da cidade a entrar na justiça para lutar por seus direitos.
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“Uma dessas formas foi acionar a Justiça, utilizando um mecanismo jurídico manifestado na forma de ações de liberdade. Roza Cabinda é uma das 14 mulheres que utilizaram esse mecanismo para ter garantido seu direito de obter sua carta de alforria. O fato de Roza ter sido escravizada de Halfeld, um dos notáveis locais, transformou a sua ação na mais famosa entre essas”, disse ao portal da Prefeitura de Juiz de Fora a escritora Giovana de Carvalho Castro, que lançou, neste ano, o ebook Roza Cabinda dos Sentidos da Liberdade à Liberdade como Sentido.
Na capital mineira, outra figura importante dá nome a uma ocupação, no centro da cidade: Dona Maria do Arraial, que foi uma mulher negra escravizada, conhecida como Maria Papuda.
Ela teve o seu rancho demolido e sua família expulsa para se construir no local o suntuoso Palácio da Liberdade, sede do governo de Minas Gerais, e o conjunto de prédios públicos e palacetes que compõem a Praça da Liberdade e arredores. Maria do Arraial, no entanto, resistiu bravamente, se tornando um símbolo da luta por moradia.
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Hoje, ela é homenageada pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que ocupa um prédio com cerca de 250 famílias, na rua da Bahia, 1065, no hipercentro.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Ana Carolina Vasconcelos